Terceiro livro do Projeto Reeducação do Imaginário, e o primeiro livro que eu leio de William Shakespeare e, com a conclusão, eu posso afirmar que fiquei muito feliz em ter adentrado neste universo shakesperiano por esta leitura tão intensa, cheia de inveja, intrigas e vingança.
SOBRE O AUTOR E A OBRA

William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon, no ano de 1564. A maior parte da sua obra foi produzida em Londres entre os anos de 1590 e 1613.
No caso de Otelo, a peça possui duas possibilidades de data para a sua composição, quais sejam: entre o final de 1601 e 1602 ou como data comumente adotada, 1603 ou 1604.
A obra tem como sua fonte principal, o conto do escritor italiano Giovanni Battista Giraldi Cinthio denominado “Il capitano moro”, publicado em 1565, bem como suas fontes secundárias “The Commonwealth and Government of Venice”, escrito pelo Cardeal Contarino em 1599 e “The Geographical History Of Africa”, escrita por Leão, o Africano em 1600.
A semelhança de Otelo com o conto italiano (fonte principal) advém da narrativa do casamento de jovens com estrangeiros, a prática do homicídio, a amizade do vilão com o protagonista, a fim de induzir o cometimento do crime manipulando com suspeitas acerca da fidelidade da jovem esposa.
Ademais, uma curiosidade em relação a esta peça é que a obra brasileira que mais se assemelha a Otelo é Dom Casmurro de Machado de Assis (Capitu traiu Bentinho?). Inclusive, há uma cena neste livro em que Bentinho vai ao teatro assistir à peça Otelo.
SOBRE A EDIÇÃO
Uma das peças mais famosas de Shakespeare, em uma edição publicada pelo Selo Penguin Companhia, da Editora Companhia das Letras em 2017.
A tradução, introdução e notas foram feitas por Lawrence Flores Pereira (escritor, tradutor, editor da revista acadêmica Philia&Filia e professor da Universidade Federal de Santa Maria no Rio Grande do Sul).
Optei pela edição da Companhia das Letras porque eu gostei muito da edição que o Selo Penguin possui de Franz Kafka, tendo em vista que sempre vem acompanhada de notas explicativas que ajudam no entendimento do cenário histórico, social e até mesmo filosófico em que a narrativa se desenvolve.
Logo, como era o meu primeiro contato com a escrita do autor, não pensei duas vezes em adquiri-la pelo Kindle.
O fato de já se ter no início várias informações sobre a história retratada e até mesmo saber o que acontece e como são as personagens, não me incomodou, acredito que até me ajudou a fazer a leitura com um olhar diferente e atento.
Caso este tipo de spoiler te incomode, é só ir diretamente à peça e, após a conclusão, eu recomendo a leitura da introdução e notas que o livro possui.
MINHA EXPERIÊNCIA DE LEITURA E INDICAÇÃO DESTE LIVRO PARA O PROJETO REEDUCAÇÃO DO IMAGINÁRIO
ATENÇÃO: ALERTA DE SPOILER
Foi um dos livros mais intensos que eu já li e um dos mais difíceis na manutenção da imparcialidade, no que tange às suas personagens.
A peça se inicia com um diálogo entre Iago e Rodrigo sobre a nomeação por Otelo de Cássio para tenente, bem como informando a Brabâncio, no meio da noite, que um dos seus bens havia sido roubado (raptado) por Otelo, sendo este bem Desdêmona, sua filha.
Ao se casar com Desdêmona na calada da noite, Otelo enfrenta um julgamento perante o Duque e os senadores, entre os quais Brabâncio, pai de Desdêmona, que o acusa de bruxaria contra a sua filha.
Aqui, eu faço um adendo sobre o crime de bruxaria. Até o século XV e XVI, a bruxaria era vista somente como uma forma de manifestação religiosa.
Com o advento dos séculos anteriormente mencionados, a bruxaria era vista por um aspecto político, no sentido de quem pratica bruxaria tinha um pacto com o Diabo, logo, era visto como uma traição ao Rei que era ligado a Igreja, razão pela qual a existência do crime de bruxaria e subversão nesta época.
Voltando à peça, Brabâncio não compreende a transformação da filha obediente e honrada em uma jovem que toma decisões por conta própria e escolhe fugir para se unir a Otelo.
Este relacionamento era inaceitável, pois Otelo é forasteiro, negro e somente um instrumento que Veneza usa para garantir sua beleza e cultura, através das guerras e de sangue.
A peça é rica no seu discurso contra o racismo e xenofobia tendo em vista que Otelo é objeto de zombaria e desrespeito cultural, no qual se associa a cor negra ao mal e mesmo sendo um instrumento do exército não é considerado um veneziano e sim, um forasteiro.
Sobre Desdêmona, a união da mesma com Otelo não se dá só porque ela rejeita a vida doméstica, mas devido ao seu amor genuíno por Otelo que transcende a imagem de ser somente um instrumento de batalha.
Acredito que aí está o grande problema de interpretação entre os protagonistas e até mesmo de suas vulnerabilidades: Otelo não se enxerga da mesma forma que Desdêmona o vê.
Em razão desta insegurança, a sua interpretação de Desdêmona permeia de uma figura intacta e honrada, para uma mulher que se entrega aos mais inverossímeis desejos obscenos.
Logo, em razão dessa vulnerabilidade e insegurança de Otelo, Iago se aproveita da situação para planejar a sua vingança.
E o que falar sobre Iago, também conhecido como “O Maquiavel do Palco”??
Foi um dos vilões mais impactantes e mais interessantes que eu já presenciei na minha vida de leitora e para entender a complexidade desta personagem, cumpre trazer à baila trecho do ensaio de W. H. Auden:
Não consigo tampouco pensar em outra em que o vilão seja tão completamente triunfante: tudo o que promete fazer, Iago cumpre – e entre suas metas incluo sua autodestruição.
Nota-se, portanto que, a capacidade de Iago de iludir, seduzir, aproximar-se de suas vítimas, infectá-las com suas mentiras e com sua linguagem grosseira e obscena, é testemunho de sua maldade excepcional.
Iago induz Otelo a acreditar que Desdêmona não o ama, tendo em vista a diferença de classes, a sua cor e até mesmo o seu papel de mero instrumento de batalha.
Diante destes pensamentos, Otelo passar a desconfiar e se afastar de Desdêmona e esta sofre uma mudança comportamental, isto é, passa de uma mulher de iniciativa e personalidade, como a demonstrada durante o julgamento de Otelo perante aos senadores, a uma mulher que é condescendente com as atitudes do marido.
Faço uma ressalva aqui com relação a esta mudança na atitude de Desdêmona, pois o fato de ser condescendente ao comportamento de Otelo não demonstra uma fraqueza da mesma, mas a dificuldade de se mostrar fiel, a dificuldade de provar que de fato tê-lo supostamente o traído com Cássio não ocorreu.
Sobre este sentimento de Otelo, W. H. Auden descreve o seguinte:
Se Otelo tivesse ciúme apenas dos sentimentos que Desdêmona teria por Cássio, ele seria um homem são e culpado no máximo de falta de confiança na esposa.
Mas Otelo não é ciumento apenas de sentimentos que talvez existam; ele demanda prova para um ato que não pode ter acontecido, e o efeito sobre ele de acreditar nessa impossibilidade física vai muito além do desejo de matar Desdêmona: não é apenas a sua esposa que o traiu, mas o universo todo; a vida tornou-se sem sentido, sua ocupação se extinguiu.
Por fim, com a conclusão da leitura, eu pude ver a importância da indicação deste livro ao Projeto Reeducação do Imaginário,pois trata de racismo, xenofobia, o cometimento do crime passional por Otelo contra Desdêmona (feminicídio).
Ademais, ao chamarmos a peça Otelo de tragédia, pode-se verificar que a ordem foi restaurada no final, mas a restauração neste caso é inútil, pois o que adianta a punição de Iago, se Desdêmona morreu, ou seja, ter a punição do malvado, do injusto é indiferente, já que os justos morreram.
Gostou deste livro e quer ajudar o blog a crescer? Compre por este link: https://amzn.to/2W2DmLS
Já leu este livro? Se sim, compartilha aqui nos comentários o que você achou!
Um grande beijo e até o próximo post!!
Um comentário em “Resenha da obra Otelo, o mouro de Veneza, de William Shakespeare”