O post de hoje abordará sobre o Projeto de Reforma Tributária idealizada pelo Ministério da Economia referente a tributação dos livros, bem como a movimentação nas redes sociais em defesa dos mesmos e retomada das livrarias diante do nosso “novo normal”.
Para quem não sabe, o Ministério da Economia, através da reforma tributária, pretende retornar com a tributação dos livros, devido a uma brecha na lei que admitiria tal retomada na cobrança. Vejamos:
O Código Tributário Nacional em seu artigo 9º, inciso IV, alínea “d”, prevê a imunidade tributária do papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.
Já a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “d”, limita o poder da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de instituir impostos sobre os livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão.
Com o advento da Lei nº 10.865/2004, o mercado editorial foi desonerado da tributação do PIS e Cofins sobre o produto produzido.
Nota-se, portanto, que as normas acima citadas pretendem garantir a liberdade de comunicação e de pensamento, bem como a proteção e preservação dos veículos informativos, a fim de disseminar a cultura e a própria educação do povo brasileiro.
Todavia, com o projeto de reforma tributária, os tributos PIS e Cofins, seriam substituídos pela Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que tornaria os livros sujeitos à tributação, sob alíquota de 12%.
Ademais, a contribuição (CBS), incidiria também sobre os livros eletrônicos e dispositivos de leitura digital, posto que, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 2017 (Súmula Vinculante 132), esses produtos tiveram isenção equiparada à de livros impressos, conforme o entendimento da Corte “o livro é o conteúdo, não o formato”.
Diante deste cenário, a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), a Câmara Brasileira do Livro (CBL), o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e outras entidades do representativas do livro no Brasil, assinaram um Manifesto do Livro, no qual consideram como urgentes e necessárias as seguintes ponderações (texto na íntegra):
1. A Constituição Democrática de 1946 consagrou no país o regime de isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas. Inspirada na luta de intelectuais, editores e escritores, a emenda constitucional foi apresentada pelo autor brasileiro de maior prestígio internacional à época, Jorge Amado.
Por um lado, a isenção visava tornar o papel acessível às mais diferentes vozes no debate das questões nacionais, garantindo o suporte material para a livre manifestação de opiniões; por outro, barateava o produto final, permitindo que o livro e a imprensa pudessem chegar às camadas mais amplas da população, em um país onde o analfabetismo era, infelizmente, a regra e não a exceção.
A mudança constitucional possibilitou a criação e o desenvolvimento das bibliotecas públicas no país, beneficiando as pessoas de menor poder aquisitivo e permitindo que o mercado editorial passasse a ter condições de publicar obras de alto valor intelectual e pedagógico, muitas delas sem apelo comercial, a custos compatíveis com o poder aquisitivo do leitor médio. Não há dúvidas de que a popularização do livro teve, e ainda tem, papel fundamental no aumento da educação do brasileiro.
2. De tal forma se enraizou no espírito da sociedade brasileira o apego à importância da leitura como fonte de educação e crescimento intelectual, de formação de cidadãs e cidadãos, de difusão da cultura e da informação qualificada, que a reforma de 1967 não só preservou o “espírito imunitário” da Constituição, como o ampliou, estendendo a isenção ao próprio objeto: o livro.
A Constituição Cidadã de 1988 não poderia fazer diferente e consolidou a reiterada jurisprudência que isenta o livro, ferramenta básica de conhecimento, educação e cidadania, de impostos. A atual Carta Magna diz, em seu artigo 150, que é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criarem impostos de qualquer natureza sobre o livro e a imprensa escrita.
3. No entanto, dada a complexidade da legislação tributária brasileira, foram criadas ao longo dos anos contribuições sociais, como PIS e COFINS, incidindo sobre a receita das empresas. Uma vez que os livros não são imunes das contribuições, a Lei nº 10.865 de 30 de abril de 2004 reduziu a zero a alíquota do PIS e da COFINS nas vendas de livros, em reconhecimento da importância deste bem para a sociedade.
Isso permitiu uma redução imediata do preço dos livros nos anos seguintes: entre 2006 e 2011, o valor médio diminuiu 33%, com um crescimento de 90 milhões de exemplares vendidos. Os fatos demonstram claramente a correlação entre crescimento econômico, melhoria da escolaridade e aumento da acessibilidade do livro no país.
A imunidade tributária está presente em vários países do mundo. Um relatório da International Publishers Association (IPA) de 2018 argumenta que o livro não é uma commodity como qualquer outra: é um ativo estratégico para a economia criativa, que facilita a mobilidade social assim como o crescimento pessoal e traz a médio prazo benefícios sociais, culturais e econômicos para a sociedade. Qualquer aumento no custo, por menor que seja, afeta o consumo e, em consequência, os investimentos em novos títulos. A imunidade é uma forma de encorajar a leitura e promover os benefícios de uma educação de longo prazo.
Recentemente, em abril do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, reconheceu por meio da Proposta de Súmula Vinculante 132, que o direito à isenção tributária do livro se estendia também aos leitores eletrônicos. Enfim, está na tradição da formulação das leis brasileiras e na história das decisões jurídicas, bem fundamentadas e analisadas em vários períodos diferentes da nossa história, que o livro é disseminador de conhecimento em lato senso, e que deve contribuir para o combate à desigualdade de formação da população brasileira.
4. O escritor e editor Monteiro Lobato cunhou a famosa frase “um país se faz com homens e livros”; anos depois, o editor José Olympio acrescentou: “…e ideias”. Ai do país que se torna um deserto de homens, livros e ideias. Queimado em praça pública sempre que a intolerância triunfa, o livro resistiu aos séculos e atravessou as crises tendo a sua significação para a humanidade renovada e fortalecida.
Aliás, existe alguma prova mais eloquente da importância do livro para as vidas humanas do que as estantes cheias de obras, tal como vemos na televisão e nas telas dos computadores e celulares, nesse momento de isolamento social? Os livros estão ali, às costas das pessoas como as asas de um anjo, significando proteção, sabedoria, compartilhamento de ideias e imaginário, reafirmando nossa fé na humanidade. O amor ao livro renasceu na pandemia.
É fácil calcular o quanto o governo poderá arrecadar com a nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), proposta em regime de urgência ao Congresso. Muito mais difícil é avaliar o que uma Nação perde ao taxar o bem comum da formação intelectual de suas cidadãs e cidadãos. Em perspectiva histórica, o dinheiro arrecadado à cultura, aos livros e à formação científica significa, de fato, um desinvestimento no crescimento futuro do país – que não se dará sem o crescimento intelectual amplo e igualitário de sua população.
5. As instituições ligadas ao livro estão plenamente conscientes da necessidade da reforma e simplificação tributárias no Brasil. Mas não será com a elevação do preço dos livros – inevitável diante da tributação inexistente até hoje – que se resolverá a questão. Menos livros em circulação significa mais elitismo no conhecimento e mais desigualdade de oportunidades no país das desigualdades conhecidas, mas pouco combatidas.
O Brasil foi o último país a acabar com a escravidão e um dos últimos a permitir a impressão e a circulação de livros e da imprensa, duas marcas negativas na nossa História que até hoje não conseguimos superar. Poucos se dão conta que o mercado nacional de livros tem menos de 200 anos. Enquanto em Paris, no Século das Luzes, lia-se Diderot e Voltaire, enquanto na Alemanha se lia Goethe, na Espanha o Dom Quixote tornava-se leitura popular, em Londres, ilustrava-se com os trabalhos de David Hume, nos Estados Unidos podia-se formar o conceito de uma grande Nação nos escritos de homens públicos da estatura de Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, no Brasil, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um autodidata, articulava sua conjuração carregando um exemplar surrado e contrabandeado do “Compêndio das leis constitutivas das colônias inglesas confederadas sob a denominação de Estados Unidos da América” – em francês.
Ainda não se descobriu nada mais barato, ágil e eficiente do que a palavra impressa – em papel ou telas digitais – para se divulgar as ideias, para se contar a história da humanidade, para multiplicar as vozes da diversidade, para denunciar as injustiças, para se prever as mudanças futuras e para ser o complemento ideal da liberdade de expressão.
Com base neste Manifesto em face do projeto de reforma tributária, a campanha em defesa do livro, através da hashtag #defendaolivro está mobilizando editoras, escritores e leitores nas redes sociais.
Tal incentivo e comoção vem na tentativa de evitar um novo obstáculo ao mercado editorial, que vem enfrentando uma das piores crises de sua história (encolheu 20% entre 2006 e 2019, de acordo com a pesquisa realizada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros), agravada pelos processos de recuperação judicial da Cultura e da Saraiva, bem como pelos efeitos das portas fechadas como medida para evitar a disseminação do Covid-19.
Insta salientar que, além da movimentação nas redes sociais, foi lançada a campanha de financiamento coletivo para o Projeto Retomada das Livrarias, idealizado pelo livreiro e editor Alexandre Martins Fontes e pela Câmara Brasileira do Livro.
A campanha tinha como meta, de até o dia 31 de julho de 2020, levantar o valor de R$ 500 mil, a fim de serem distribuídos entre pequenas e médias livrarias espalhadas pelo Brasil, com metade de suas atividades dependentes da venda de livros e adimplentes até o dia 15 de março, quando as lojas precisaram fechar as portas para conter a disseminação do Covid-19.
Candidataram-se ao projeto, 213 livrarias, sendo a seleção destes comércios foi realizada por uma comissão formada pelas editoras Companhia das Letras, Melhoramentos, Record e WMF Martins Fontes, bem como pelas distribuidoras Catavento, Disal, Inovação, Loyola e pela rede Livraria Leitura. Abaixo, as livrarias selecionadas por pelo projeto:
- Arte & Ciência (Fortaleza)
- Banca Tatuí (SP)
- Benfica (Fortaleza)
- Blooks Livraria (Rio de Janeiro)
- Book Stop (SP)
- Boutique do Livro (Divinópolis)
- Café na Cama (SP)
- Casa Cultural (Campinas)
- Casa de Livros (SP)
- Castro Alves (Araruama)
- Chain (Curitiba)
- Cirkula (Porto Alegre)
- Clube Cultural (Teresópolis)
- Companhia Ilimitada (SP)
- Cooperativa Cultural (Natal)
- Copa Books (Rio de Janeiro)
- Favorita (Três Rios)
- Flamingo (Juiz de Fora)
- Fortlivros (Fortaleza)
- Intelecto (Pouso Alegre)
- Isasul (Porto Alegre)
- Janela Livraria (Rio de Janeiro)
- Larpsi (Salvador)
- Leonardo Da Vinci (Rio de Janeiro)
- Litterarius Livraria Café (Assis)
- Livraria da Ladeira (Guaratinguetá)
- Livraria da Tarde (SP)
- Livraria das Faculdades Chapecó (Chapecó)
- Livraria Delta (Passo Fundo)
- Livraria do Espaço (SP)
- Livraria Francesa (SP)
- Livraria Nobel (Araxá)
- Livraria Nobel (Brooklin/SP)
- Livraria Nobel (Campina Grande)
- Livraria Nobel (Shopping Largo 13/SP)
- Livraria Pontes (Campinas)
- Livroteca Story Time (Brasília)
- Livruz (Poços de Caldas)
- Malasartes (Rio de Janeiro)
- Mandarina (São Paulo)
- Panapaná Livraria Infantil (SP)
- Politécnica Guanabara (João Pessoa)
- Prazer de Ler (Paço do Lumiar)
- Prince Books (SP)
- Sertão Livraria e Café (Jacobina)
- Simples Livraria (SP)
- Simusinos (Novo Hamburgo)
- Solar do Leitor (Belém)
- Timbre Livraria (Rio de Janeiro)
- Toque de Letras (Itatiba)
- Ugra (SP)
- Via Sapiens (Porto Alegre)
- Vírgula (SP)
Por fim, esta que vos escreve, é favor do movimento em defesa do livro, pois o retorno a tributação representa um retrocesso não só legislativo como também social.
É necessário reavaliar o projeto da reforma tributária, no que tange a este tópico, pormenorizadamente, com intuito de diminuir a carência na difusão de cultura e conhecimento por meio do livro.
Frisa-se também que, o próprio governo é responsável pela aquisição de 49% da produção de livros didáticos, logo, a majoração no valor das obras adquiridas pelo poder público geraria um gasto maior dos recursos provenientes do contribuinte ou poderia significar uma aquisição menor de livros, dificultando o acesso à educação para a parcela mais carente da população.
Espero e quero acreditar que nossos legisladores e a nossa sociedade sejam favoráveis ao livro e entendam que ele é um instrumento, assim como a educação, capazes de mudar o mundo.
Um beijo e até o próximo post!