
Oitavo livro da lista do Projeto Reeducação do Imaginário e a segunda peça lida, para o projeto, de William Shakespeare.
Aqui não trarei o tópico “sobre o autor”, pois eu falei um pouco sobre ele na resenha de Otelo, cuja leitura eu recomendo bastante!!
SOBRE A EDIÇÃO
A edição pela qual eu fiz a leitura foi lançada em 2017 pela Editora Nova Fronteira, com a tradução feita por Barbara Heliodora, uma das maiores estudiosas da obra do dramaturgo aqui no Brasil.
Também utilizei como texto de apoio, o livro escrito por Harold Bloom em 1998 e publicado pela Editora Riverhead Books, intitulado em inglês como Shakespeare – The invention of the human.
Pelo que pude pesquisar, este livro já foi traduzido para o português, mas não há mais nenhuma reedição do mesmo, logo, caso você tenha o hábito de ler em inglês ou queira adquirir tal costume, está aí uma boa pedida de livro!
SOBRE A OBRA


A peça mais curta escrita pelo dramaturgo entre 1603 e 1607, tendo como sua principal fonte para a elaboração do enredo As Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, Histórias das Ilhas britânicas da época de Shakespeare, bem como os escritos do filósofo escocês Hector Boece.
Foi uma das peças mais cobradas nas escolas norte-americanas, bem como uma das peças mais encenadas, tanto no teatro (inclusive no Brasil) quanto no cinema. Aqui eu recomendo a adaptação de 2015 protagonizada por Michael Fassbender e Marion Cottilard, disponível para locação no Google Play.
SOBRE O ENREDO
A história se passa na Escócia, na qual já no primeiro ato da peça, nós nos deparamos com três bruxas (the weird sisters), planejando quando elas se encontrarão com Macbeth. Já na cena seguinte, nós estamos diante do Rei Duncan da Escócia, recebendo a notícia de que seus generais Banquo e Macbeth derrotaram o exército aliado da Noruega e Irlanda, lideradas por Macdonwald.
Mudando novamente de cenário, a peça volta para Macbeth e Banquo e o encontro deles com as três bruxas, que lhe dizem em tom profético que Macbeth será proclamado Conde de Cowdor e sucessivamente Rei, bem como Banquo dará origem a uma linhagem de Reis, mas não será um rei.
Os dois generais ficam maravilhados e espantados com tal profecia e logo em seguida, um mensageiro do Rei Duncan dirige-se a Macbeth informando que devido a sua bravura na batalha contra os inimigos, ele recebeu o título de Conde de Cowdor, concretizando assim, uma parte da profecia. E, é neste momento, que se tem início a ambição de nosso protagonista pela Coroa da Escócia.
Devido a profecia e a ambição, Macbeth informa a sua esposa que o Rei Duncan ficará hospedado em sua residência. E, é nesta oportunidade, que Lady Macbeth elabora o plano para matar o Rei, a fim de que seu marido assuma o trono.
Inicialmente, Macbeth não quer cometer o crime (homicídio e regicídio), mas Lady Macbeth consegue persuadi-lo e nosso protagonista acaba matando Duncan com seu punhal. Macbeth fica tão transtornado com o que acabou de fazer que sua esposa tem que tirar-lhe o punhal das mãos e deixar a cena armada para a incriminação dos criados do Rei adormecidos pela bebedeira da noite anterior (houve uma celebração pela vitória na guerra e recepção do Rei).
Na manhã seguinte ao crime, chegam ao local o nobre escocês Lennox e o Conde de Fife, Macduff. Macbeth os encaminha aos aposentos de Duncan e todos se deparam com seu corpo ensanguentado e sem vida.
Demonstrando uma fúria ensaiada, Macbeth mata os supostos assassinos do Rei, antes que estes possam provar sua inocência. Com a morte de Duncan, seus herdeiros Malcolm e Donalbain fogem, tornando-se suspeitos de encomendarem a morte do próprio pai e Macbeth assume o trono como o novo Rei da Escócia.
Todavia, a ambição de Macbeth, bem como o início de seu declínio, não parou na morte de Duncan, tendo em vista a existência da profecia dita a Banquo. Logo, para resolver tal celeuma, nosso protagonista organiza um banquete e descobre que Banquo e seu filho Fleance estão planejando fugir durante o evento.
Então, Macbeth chama dois capangas para matar Banquo e seu filho, mas apesar da morte deste, seu filho consegue escapar. E, é aqui que nós presenciamos a loucura de Macbeth, quando este, no meio do banquete, vê o fantasma de Banquo.
Nosso protagonista fica furioso com o espectro a sua frente, mas somente ele o vê, o que deixa todos ao seu redor atônitos com o comportamento de seu Rei. Diante de tal situação, Lady Macbeth manda todos os presentes embora e fica também ressabiada com as atitudes de seu esposo.
Macbeth encontra mais uma vez as três bruxas e estas lhe dizem as seguintes profecias:
1ª Aparição: Macbeth! Macbeth! Cuidado com Macduff! Cuidado com o Thane (Conde) de Fife. Já basta.
2ª Aparição: Sê ousado, sangrento e resoluto: Ri dos homens, pois ninguém parido por mulher fere Macbeth.
3ª Aparição: Com bravo orgulho de leão ignora quem chora, quem reclama, quem conspira: Macbeth jamais será vencido enquanto a floresta de Birnam não subir contra ele em Dunsinane.
Direcionado pelas profecias, Macbeth ordena a morte de Lady Macduff e seus filhos, tendo em vista a fuga de Macduff. Aqui faço a ressalva que a morte das crianças é uma das cenas mais tristes da peça, bem como no filme indicado anteriormente.
Devido a ambição e a loucura, Macbeth não percebe que sua esposa se sente também atormentada pelos crimes que os dois arquitetaram e executaram, desencadeando assim a sua morte, que apesar de não ser dita como aconteceu, nos leva a crer que foi suicídio.
E, nesta cena, nós temos o famoso diálogo consigo mesmo (solilóquio) de Macbeth sobre a morte de sua esposa:
“Ela devia só morrer mais tarde;
Haveria um momento para isso.
Amanhã, e amanhã, e ainda amanhã
Arrastam nesse passo o dia a dia
Até o fim do tempo pré-notado.
E todo ontem conduziu os tolos
À via em pó da morte. Apaga, vela!
A vida é só uma sombra: um mau ator
Que grita e se debate pelo palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, todo o som e fúria*
Sem querer dizer nada.”
*(o título da obra O som e a fúria de William Faulkner foi inspirado neste trecho do solilóquio de Macbeth).
Com a morte de sua esposa, Macbeth enfrentará sozinho a fúria e a vingança de Macduff pela morte de sua família, bem como Malcolm, filho de Duncan. Ambos estão retornando para a Escócia, a fim de libertar o reino da tirania e loucura de Macbeth.
O plano do exército, que está acampado em Birnam, é cortar e carregar todos os troncos de madeira que puderem para camuflar o número de soldados (uma das profecias das bruxas) dispostos na floresta até cercar todo o reino.
E por fim, a grande batalha entre Macbeth e Macduff. Nosso protagonista se sente seguro de sua vitória, pois segundo a profecia, ele não poder ser morto por nenhum homem que tenha nascido de uma mulher.
Contudo, Macbeth não contava com o plot tiwist que estava por vir, qual seja, que Macduff informa ao seu oponente que este foi “rasgado do útero de sua mãe antes do tempo” (nasceu por meio de uma cesariana), pois sua mãe morreu durante o parto, logo, ele nasceu do ventre de um cadáver.
Macbeth percebe tardiamente, que as três bruxas o enganaram e acaba sendo morto por Macduff, cumprindo assim, a última das profecias.
Com a morte de Macbeth, Malcolm é coroado Rei da Escócia. Quanto a Fleance, era conhecido pelo público contemporâneo de Shakespeare que o Rei James I da Inglaterra era, supostamente, um dos descendentes de Banquo.
SOBRE MINHA EXPERIÊNCIA DE LEITURA E INDICAÇÃO DA OBRA AO PROJETO REEDUCAÇÃO DO IMAGINÁRIO
Confesso que a minha peça favorita continua sendo Otelo, mas dá para entender a importância desta obra como um todo. Com a leitura do livro do Harold Bloom sobre Macbeth, pude verificar alguns elementos bem interessantes da narrativa:
- CARÁTER IMAGINÁRIO DO PROTAGONISTA
Macbeth pode ser visto como um dos mais azarados protagonistas shakesperianos, precisamente porque ele é o mais imaginativo. Esta peça é considerada como uma tragédia da imaginação. Apesar de proclamar triunfalmente “o tempo é livre”, quando Macbeth é morto, as reverberações, das quais não conseguimos escapar quando nós deixamos o teatro ou fechamos o livro tem um pequeno “você tem que fazer tal coisa” com a nossa liberdade.
Enquanto outros vilões shakesperianos se deliciam com suas maldades, Macbeth sofre intensamente por saber que o que ele faz é mal, e ele continua fazendo cada vez pior. Logo, Macbeth nos assusta em parte por causa do aspecto da nossa própria imaginação que é assustadora, como se nos tornássemos assassinos, ladrões, usurpadores e sequestradores.
De todas as peças de Shakespeare, Macbeth é a “tragédia do sangue”, não por causa dos assassinatos, mas pelas implicações da imaginação sangrenta de Macbeth. O usurpador Macbeth muda na consistência fantasmagórica do sangue, tendo em vista que tal elemento é o constituinte principal de sua imaginação (sempre sua coerência imaginativa supera a sua confusão cognitiva).
- A RELAÇÃO DE MACBETH E LADY MACBETH
A sublimidade de Macbeth e Lady Macbeth é opressora: eles são persuasivos e profundamente apaixonados um pelo outro. Sem dúvida, superando a ironia presente de Shakespeare, eles são o casal mais feliz de todo o seu trabalho.
A usurpação de Duncan transcende a política do reino. A natureza de Macbeth é vigorosamente violada por ele próprio, mas ele aprende que assim que ele começa a violação, ele se recusa a seguir Lady Macbeth através de sua loucura e suicídio.
Shakespeare não nos disse o motivo pelo qual Macbeth e sua esposa não possuírem filhos. Apenas comenta de uma criança enferma que morreu. Freud, aduz que a maldição sem filhos de Macbeth é uma das motivações do nosso protagonista para os assassinatos e a usurpação.
Apesar de Shakespeare ter deixado este assunto incerto, é um pouco difícil de imaginar Macbeth como pai, quando ele é, em um primeiro momento, profundamente dependente de Lady Macbeth. Conforme ela vai enlouquecendo, ela parece muito mais como uma mãe para Macbeth do que como sua esposa.
- SOBRE A AMBIENTAÇÃO
Macbeth é muito mais uma peça noturna, como se a noite tivesse usurpado o dia, a Escócia é mais mitológica que a atual nação que o patrono de Shakespeare emergiu (Rei James I).
- COMPARAÇÃO COM OUTRAS OBRAS DA LITERATURA CLÁSSICA
Harold Bloom compara o Capitão Ahab de Moby Dick com Macbeth, aduzindo que ambos são assassinos, mas Macbeth também é usurpador. Você pode conferir a resenha aqui do blog sobre o livro escrito por Herman Melville.
Também há a comparação dos culpados imaginários que nós compartilhamos em Macbeth com o dilema vivido em O médico e o monstro de Stevenson. Também temos resenha para esta obra aqui no blog.
Informo que em ambas as obras, eu vi a comparação como oportuna e bem pontuada pelo autor.
- INDICAÇÃO NO PROJETO REEDUCAÇÃO DO IMAGINÁRIO
Apesar da violência presente em Macbeth, esta peça consegue ser mais íntima de nós leitores. Harold Bloom argumenta que nos identificamos com esta peça, porque nós também temos a sensação de que estamos violando a nossa própria natureza, como Macbeth faz.
O enredo da peça nos faz refletir sobre o próprio comportamento humano como a ganância, o egoísmo, a culpa, traição, trapaça e até mesmo a consciência sobre o certo e errado.
Também há outros questionamentos que podem ser facilmente levantados, quais sejam: nós temos a capacidade de mudar o nosso destino? De mudar o que já está traçado por uma profecia, como no caso de Macbeth? Haveria a possibilidade de Macbeth se tornar rei sem ter cometido o crime contra Duncan? Até onde vai o nosso livre-arbítrio?
Caso você tenha as repostas para as perguntas acima, compartilha aqui no comentário!!
Um beijo e até o próximo post!!
3 comentários em “O que faz de Macbeth, de William Shakespeare uma peça especial?”